Gilberta Paiva: A Pedagoga Mais Influente Na Música Portuguesa do Sec. XX

Nascida em Elvas em 1915, Gilberta Custódia da Costa Gouveia Xavier de Paiva, passou a infância, adolescência e os primeiros anos da juventude em Lisboa. Aí foi aluna do Conservatório Nacional efetuando, como discípula do professor Marcus Garin, o exame final do curso superior com a classificação de vinte valores. Realizou diversos concertos, dois deles com a Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, dirigida pelo maestro Pedro de Freitas Branco. 

Gilberta Paiva, notable Portuguese pianist teacher pedagogue
Prof. Gilberta Paiva, arguably the single most notable Portuguese music pedagogue in the XXth Century,
whose work and vision as piano teacher, and later founder and director of many music schools and conservatories across the country had a tremendous impact on the lives of today's most prominent Portuguese classical musicians (Emissora Nacional, Portuguese National Radio).

Casa aos 22 anos, deixa Lisboa, e passa a residir em Santa Maria da Feira com o marido, Dr. Humberto Paiva, um jovem veterinário municipal recém colocado na província. Frustrada com a vida burguesa de dona de casa a que se via resumida, transformou a sala de jantar em saula de aula e dava aulas de música aos mais novos da comunidade, e ensinava os pais dos miúdos, na maioria, agricultores analfabetos, a ler e escrever. 

Em 1955 fundou a Academia de Música de Santa Maria, "a primeira escola de ensino oficial fora dos grandes centros como Lisboa, Porto e Coimbra", e da qual foi diretora até 1964 ­ disse nesta quinta­feira a sua neta, Ana Carvalho, à agência Lusa.

Em 1960, fundou o Conservatório Regional de Aveiro, que dirigiu por um ano. Em 1964, funda a Academia de Música de Santa Cecília, em Lisboa, "a primeira escola de ensino integrado em Portugal, da qual foi diretora durante cinco anos". Em 1972, ingressou, como professora de piano, no Conservatório Nacional de Lisboa, do qual se aposentou em 1985. Entre os seus alunos deste período destacam-se os pianistas António Rosado, Eurico Rosado e Mafalda Pernão (mais tarde, ela própria directora do Conservatório Nacional de Música de Lisboa).

De 1986 a 1989 dirigiu e reorganizou o Conservatório de Santarém, onde aos 16 anos se destaca o seu aluno, o compositor Patricio da Silva, vencendo o concurso nacional de piano Maria Campina em 1988. Acerca de Gilberta Paiva, Patricio da Silva diz:

Uma inteligência surpreendente, visionária sem medo, administradora resoluta, professora de gênio, capaz de detectar e orientar talentos como ninguém. A quantidade de empregos e carreiras que ela pessoalmente criou através da música é como nenhum outro caso que eu tenha conhecido em qualquer lugar. Literalmente milhares de pessoas em Portugal, ainda hoje, tem a sua educação e sua carreira graças a ela. Foi a visão desta mulher e do trabalho que mudou o curso da educação musical em Portugal, fundar, organizar e executar o conservatórios privados e semi-privados e academias de música em todo o país. E não importa onde ela estava trabalhando, para cada nova escola, ela repetia histórias de sucesso. Ela era o exemplo vivo do poder do indivíduo, como o empreendedorismo inteligente envergonha os esforços de um aparelho de estado. Se ela queria algo feito, ela não iria parar até que ela teve-a como ela queria, sem espera, sem pedir permissão. Quando ela falava, toda a gent ouvia. Um osso duro de roer, ela acumulou um grande conjunto de admiradores, bem como um conjunto decente de relações hostis em lugares altos. Uma vez aluno dela, vinham os avisos: "porque você é meu aluno, aqui estão as portas que não será amigas" e ela contava, história, história, o que tinha acontecido. Eu aprendi a história da música clássica Português do século XX através de narrativas diárias das diferentes personagens,  intriga institucional, influência política, vinganças pessoais e clãs familiares, tudo contado primeira pessoa. Uma lição com ela era sempre uma tarde inteira. No meu último ano com ela,  já aposentada de toda a administração e funções oficiais. dava-me uma lição todos os dias começando depois do almoço até caír para o lado. As escolhas de repertório e exercícios eram prescritos com o rigor de medicina para ignorância. Ela tinha tido a mecânica do seu piano Bechstein transformada e feita mais pesada para desenvolver músculo nos dedos, desenvolver resistência física e forçar o aluno a para trabalhar mais inteligentemente com a mecânica do piano. Executar música clássica era para ela, antes de tudo, uma arte de comunicação, e ela queria que você tocasse o instrumento como um ator está ciente de dicção. "Se eu estou sentando na última fileira de cadeiras na sala de concertos, eu ainda preciso ouvir cada nota do que você está tocando", ela costumava dizer.  Os seus maiores investimentos na vida foram os investimentos humanos. Ao longo de sua carreira, ela orientou, patrocinou, e preparou a educação de muitas pessoas através da música. Os sucessos dos seus alunos eram os seus próprios sucessos. O único retorno sobre o investimento que ela sempre pedia foi para as pessoas melhorar e fazer sempre o melhor trabalho.
Já no ano de 1996, a Câmara de Santa Maria da Feira distinguiu­-a com a Medalha de Mérito Municipal. Em 2000, a autarquia feirense colaborou com a Academia de Música, numa homenagem que lhe foi prestada, e incluiu o seu nome na toponímia local.

Em outubro de 2005, recebeu o grau de comendador da Ordem de Instrução Pública, do Presidente da República da altura, Jorge Sampaio.

Gilberta Paiva morreu aos 97 anos, na madrugada do dia 14/01 em 2013. "Por seu desejo, encontra­-se sepultada no cemitério de Leça da Palmeira, no jazigo da família Sá Carvalho",  disse ainda a neta.


Gilberta Paiva é uma figura incontornável no panorama musical português da segunda metade do século XX, enquanto pedagoga e organizadora. Conseguiu, através da fundação da Academia de Música de Santa Maria da Feira e do Conservatório Regional de Aveiro, a descentralização do ensino de música no país. Com a fundação da Academia de Música de Santa Cecília introduziu em Portugal um modelo de ensino então único em Portugal, a primeira escola de ensino integrado.

Ainda Diretora da Academia de Santa Maria da Feira, aí criou uma delegação da Pro-Arte. Enquanto professora, formou discípulos em várias das instituições onde lecionou, entre os quais se destacam os pianistas António Rosado e Eurico Rosado, seus alunos no Conservatório Nacional.

Após a sua reforma, reorganizou e exerceu funções diretivas no Conservatório de Santarém. Foi homenageada em 2000 pela Academia e pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, em cerimónia que incluiu a atribuição do seu nome a uma das avenidas desta cidade. Foi condecorada em 2005 com o grau de Comendador da Ordem de Instrução Pública, pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio.


Biografia

Nascida em Elvas em 1915, passou a infância, adolescência e os primeiros anos da juventude em Lisboa. Aí foi aluna do Conservatório Nacional efetuando, como discípula do professor Marcus Garin, o exame final do curso superior com a classificação de vinte valores. Realizou diversos concertos, dois deles com a Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, dirigida pelo maestro Pedro de Freitas Branco. Fixou a sua residência em Vila da Feira aos 22 anos, por casamento com o Dr. Humberto Paiva, também vindo de Lisboa, médico veterinário municipal que nesta terra desempenhava as suas funções.


GILBERTA CUSTÓDIA DA COSTA
GOUVEIA XAVIER DE PAIVA
por Teresa Paiva, pianista, professora de piano no Conservatoio Nacional do Porto, e filha da professora Gilberta Paiva.

Houve um interregno de muitos anos no curriculum musical de Gilberta Paiva, provocado por motivos de saúde. Quando recuperou, reiniciou a sua atividade, ministrando cursos de Solfejo e Piano no Externato de Santa Maria, nos anos 1952-54. Em 1954, interpretou, no teatro Rivoli, o concerto nº 1, op. 23 de Tchaikovsky com a Orquestra Sinfónica do Porto, sob a regência do maestro Ino Savini.

Em Dezembro de 1955, com o alvará concedido pelo Ministério da Educação Nacional, fundou a Academia de Santa Maria em Vila da Feira e assume a sua Direção. As diretrizes fundamentais deste estabelecimento de ensino eram exercidas de um modo extremamente organizado, sendo convocados para o corpo docente elementos de prestígio. Obteve ainda, junto da Fundação Calouste Gulbenkian, bolsas de estudo destinadas a alunos de classes financeiramente mais desfavorecidas. No ano seguinte ao da fundação da Academia, Gilberta Paiva consegue, por despacho ministerial, a oficialização dos exames realizados nos próprios estabelecimentos particulares de ensino artístico de música.

A Diretora da Academia fundou ainda, em 1956, uma delegação da Pro-Arte, sociedade de concertos na qual só era permitida atuação de artistas portugueses, privilégio raramente concedido em outras sociedades de concertos nacionais. Em 1960, por iniciativa do reitor do liceu de Aveiro, a professora Gilberta Paiva foi convidada a fundar e dirigir um novo estabelecimento de ensino musical, o Conservatório de Aveiro, à frente do qual permaneceu apenas um ano letivo. Neste período continuou, simultaneamente, a dirigir a Academia de Música da Feira. A sua saída de Aveiro, por vontade própria, deveu-se à convicção de que a instalação anexa ao liceu ameaçava a independência do Conservatório.

A exemplo da Academia de Vila da Feira, foram surgindo, em vários pontos do país, outras Academias e Conservatórios, começando por Braga e Espinho; os seus fundadores vinham, antes de iniciar a organização destas escolas, pedir conselho e informações à professora Gilberta Paiva.
A 1 de Dezembro de 1956 foi prestada uma homenagem à Diretora por um grupo de senhoras da terra, em que foi descerrado o seu retrato em tamanho natural. É de acentuar ainda, a apresentação de Gilberta Paiva numa entrevista televisiva acerca da Academia e do ensino musical no país.

Em 1964, tendo sido convidada a organizar e dirigir um projeto de ensino musical em Lisboa, elaborou um plano que resultaria na Academia de Música de Santa Cecília. Por este motivo, foi obrigada a cessar as suas funções como Diretora da Academia de Santa Maria.

A Academia de Santa Cecília surgiu como um estabelecimento de ensino único no país, o primeiro do atualmente considerado ensino integrado. Assim, além das disciplinas musicais de frequência obrigatória, funcionavam, no mesmo edifício, as disciplinas do ensino regular. Esta escola foi inaugurada a 3 de Novembro de 1964, numa cerimónia que contou com a presença do Presidente da República, Almirante Américo Tomás. Gilberta Paiva viria a ser simultaneamente Diretora e Presidente do Conselho Administrativo, funções que exerceu durante cinco anos. Enquanto Diretora foi-lhe concedida, pelo governo francês, uma bolsa que possibilitou a visita a diversas escolas de ensino musical nesse país. De igual modo atuou o governo alemão, permitindo-lhe o contacto, em Hamburgo, Colónia e Munique, com os diversos graus de ensino musical, do nível de iniciação ao curso superior.

Em 1972, Gilberta Paiva ingressou como docente da classe de Piano no Conservatório Nacional, onde teve como discípulos, entre outros, os pianistas António Rosado e Eurico Rosado, e o compositor Patrício da Silva. Solicitou a sua aposentação em 1985. Entre 1986 e 1989, dirigiu e reorganizou o Conservatório de Santarém.

Em Julho de 1996 foi-lhe atribuída, pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, a medalha de Mérito Municipal. Esta mesma entidade colaborou com a Academia de Música numa homenagem que lhe foi prestada a 15 de Abril de 2000 e que incluiu a atribuição do seu nome a uma das avenidas da cidade.

Foi condecorada em Outubro de 2005, com o grau de Comendador da Ordem de Instrução Pública, pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio.